quarta-feira, 24 de julho de 2013

MP dos Médicos: ‘Foco é trazer médicos cubanos’, diz deputado

Eleuses Paiva (PSD-SP) organiza a resistência à proposta governista e afirma que o programa Mais Médicos é uma medida eleitoreira que colocará em risco tratamento da população de baixa renda no interior do país


Um dos principais opositores no Congresso Nacional ao Mais Médicos, programaanunciado pelo governo federal para salvar a saúde pública do país importando profissionais estrangeiros, o deputado Eleuses Paiva (PSD-SP) afirma que a medida tenta camuflar a verdadeira intenção do governo: “É um balão de ensaio para trazer 25 000 médicos de Cuba.”

Professor e integrante do setor de medicina nuclear do Hospital de Base de São José do Rio Preto e do Hospital Sírio Libanês, em São Paulo, o deputado afirma que as universidades de medicina do país “estão de luto” e ataca o ministro Aloizio Mercadante, que, apesar de ser titular da Educação, assumiu o papel de articulador do governo no Congresso: “Ele não entende nada do assunto”. Leia trechos da entrevista ao sitede VEJA:

Como o programa Mais Médicos foi recebido pelo Congresso?
Essa medida é tão constrangedora que não tem nenhum deputado da área de saúde do PT participando da comissão [que analisa o tema]. Ninguém aceitou ir para um desgaste desse. A discussão é autoritária, não dá para negociar. Alguns parlamentares, a pedido do Ministério da Saúde, querem discutir o tempo de atuação no SUS [de dois anos, de acordo com a proposta], se diminui para um ano ou para seis meses. O ponto é que a forma de fazer essa discussão não é por meio de medida provisória, por ato autoritário. A forma de fazer a discussão é dentro das universidades, no Conselho Nacional de Educação.
O que o senhor achou da mudança de discurso quando o governo falou em trazer médicos espanhóis e portugueses?
Esse balão de ensaio realmente é para trazer médico cubano. Há quatro anos, a Venezuela teve a importação de 25 000 médicos cubanos pelo governo Hugo Chávez. A Federação Médica Venezuelana nos disse que tinha sérias dúvidas se essas pessoas eram médicas de verdade, porque as condutas profissionais que elas tomavam eram absurdas. É justamente esse acordo que nós desconfiamos que o governo brasileiro esteja fazendo, porque esses médicos têm um contrato com o governo venezuelano que acaba agora. Eles estão retornando para Cuba e são justamente os 25 000 que estavam trazendo para o Brasil quando nós os emparedamos. Baseado nisso, o ministro [Alexandre] Padilha, que é uma pessoa muito boa para desviar a rota, diz que vai trazer profissionais portugueses e espanhóis. A notícia que nós temos, e que provavelmente o ministro dará, é que serão dez portugueses, vinte espanhóis e 25 000 médicos cubanos. O foco da discussão, na realidade, é médico cubano. É isso que ele está tentando trazer.
Então o senhor é contra a importação de médicos estrangeiros?
Ninguém é contra a entrada de médicos estrangeiros neste país. O que estamos discutindo é qual profissional nós vamos trazer sob o ponto de vista de qualidade e de conhecimento. Nós não podemos trazer profissionais despreparados, com conhecimento precário. As provas do Revalida, quando aplicadas em médicos oriundos de Cuba, tiveram reprovação de mais de 90%. Recentemente, avaliaram o quinto e o sexto ano da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, e o índice de aprovação beirou 80%. Se um reprova 90%, e outro aprova 80%, que tipo de profissional estamos trazendo para o nosso país?
Como o governo está reagindo às críticas?
Agora está tentando o casuísmo. Em vez de assumir a impossibilidade de uma medida provisória como essa, tenta criar casuísmos para poder sobreviver. Estão propondo avaliar quarenta escolas de medicina para ver o nível delas, mas são as quarenta piores avaliadas pelo MEC. Eles querem rebaixar o nível. Quando eu vejo um ministro brigar para rebaixar enquanto quem está na área acadêmica briga para melhorar sempre, é um absurdo. A sociedade tem de ficar revoltada. É o que eu falo: coisa de ministro que não é da área. O Mercadante não é um educador, não entende nada do assunto e resolveu agora virar um educador.
O problema do Brasil é a falta de médicos?
Hoje, no Brasil, se formam 16 000 médicos por ano. Não é possível alguém achar que, ao formar mais 12 000 e levar o aparelho formador para 28 000 profissionais, o problema será resolvido. Com 16 000 já tem problema de qualidade de docentes, diagnosticado pelo MEC. Já tem problema de hospital de ensino, de estrutura dessas escolas. Como vai dobrar o número por medida provisória? Ninguém que tenha o mínimo de bom senso acha que isso pode ser feito em curto espaço de tempo. Então é uma medida eleitoreira. As três principais mudanças são totalmente inconsequentes e sem nenhum conteúdo técnico.
Já foram apresentadas 567 emendas, 31 só do senhor. Dá para acreditar que sairá do Congresso outra – ou nenhuma – proposta?
Eu tendo a acreditar nisso. Se o governo tiver o mínimo de responsabilidade, ele retira essa medida provisória. Até porque não é normal uma medida ter mais de 500 emendas. Eles conseguiram uma unanimidade: todas as medidas tentam resgatar que não se mexa na autonomia universitária, que é importante avaliar a competência profissional, que o aparelho formador tem que ter critérios técnicos. Particularmente, tenho minhas sinceras dúvidas se será aprovado.
Mas a base é grande…
Sim. Mas o PSD, por exemplo, é um partido independente. Não nos furtamos de votar junto com o governo quando achamos que o projeto é interessante. Nós não temos problema em votar contra o governo. Eu estou responsável por fazer a discussão dessa MP na bancada, será na primeira semana após o recesso para fechar um posicionamento uniforme. Vou trabalhar pela rejeição total da proposta.
Qual seria a solução para os conhecidos problemas da saúde no país?
A principal solução é criar a carreira de estado, a figura do médico como profissão essencial, semelhante a juízes, promotores e defensores. Primeiro tem um incentivo para o médico. Se não quiser ficar no interior, vai começar a carreira lá e depois pode se mudar. Não fica sujeito à pressão política e tem autonomia nos atendimentos. E mais: onde não houver condição, nós vamos apontar para a estrutura chegar junto com o médico. Medicina não se faz com um estetoscópio e um termômetro na mão. Você obrigar um médico a ir para um local desse jeito, não dá para fazer medicina.
Outros países também já adotaram esse tipo de medida.
A Inglaterra tem muitos médicos oriundos de outros países. Fizeram uma avaliação de que 85% dos erros médicos seriam de estrangeiros. O caso mais grave no Brasil é a exposição da população de baixa renda. É tudo o que não pode acontecer no SUS, que é um modelo universal, integral e que prevê a equidade social. Agora, está montada a diferenciação. Vai ter um tipo de sistema para atender determinada população, e para a população de baixa renda eles nem sabem direito identificar o que é médico, então pode ser qualquer um. Eles estão discriminando, criando um cidadão de segunda categoria sob o ponto de vista da saúde. Isso é inaceitável, além de ser inconstitucional.
O que é o Mais Médicos:
Programa elaborado pelos Ministérios da Saúde e da Educação que prevê a importação de médicos estrangeiros quando os profissionais brasileiros não ocuparem as vagas disponíveis nos municípios do interior do país. O governo chegou a anunciar, em maio, que traria 6 000 cubanos para atuarem nos rincões.
Após ser bombardeado por críticas de entidades médicas, recuou da decisão e anunciou a importação de profissionais espanhóis e portugueses. A insistência em trazer médicos do exterior é tanta que a obrigatoriedade do exame que permite a atuação de estrangeiros no país, o Revalida, foi descartada. Pelo texto, três semanas de experiência em universidades são suficientes para atestar a qualidade do médico.
O programa também atinge a grade curricular do curso de medicina: após seis anos de graduação, os profissionais terão de atuar por dois anos no Sistema Único de Saúde (SUS) – regra que vale para estudantes da rede pública e privada. (Veja)

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