O Estaleiro Enseada do Paraguaçu foi construído em parte da Reserva Extrativista (Resex) Baía do Iguape, que teve seus limites territoriais alterados ilegalmente para possibilitar a implantação do polo naval na região. A alteração foi feita por meio do que o Supremo Tribunal Federal considera um “contrabando legislativo”: o uso, inconstitucional, de uma medida provisória (MP) para aprovar assunto diverso de seu conteúdo principal. A MP 462/2009 tratava da prestação de apoio financeiro, pela União, por meio do Fundo de Participação dos Municípios, mas contou com 23 emendas alheias ao seu texto principal, entre elas a alteração da área da reserva.
A Lei nº. 12.058/2009, sancionada pouco depois, alterou em definitivo os limites da Resex, ignorando a legislação brasileira – segundo a qual a alteração de uma unidade de conservação só pode ser feita por meio de lei específica, seguindo diversos critérios. De acordo com a apuração feita pelo MPF, não foram realizados os estudos técnicos necessários ou a consulta à população local — ambos exigidos pela legislação — para que pudesse haver a redefinição dos limites da reserva. O estaleiro foi orçado em R$2,6 bilhões e tem obras 82% concluídas, porém paradas desde novembro de 2015 e sem previsão de continuação.
Apesar de a redelimitação, ocorrida em 2009, ter aumentado a área da reserva extrativista, o território acrescido não contempla nem a área utilizada pelas populações extrativistas locais e nem a de conservação ambiental. Além disso, excluiu da reserva o estuário do rio Baetantã, área de manguezal de grande produtividade pesqueira utilizada pela população — 20 comunidades tradicionais com mais de oito mil pessoas que retiram dali o seu sustento.
De acordo com avaliação da Comissão Pró-Iguape, a instalação do estaleiro na região implica, entre outras questões, em impacto nos crustáceos locais devido à dragagem; na alteração no processo das marés; na qualidade da água; na remoção da biota marinha; e também na erosão de margens do rio. O próprio Ibama, também acionado pelo MPF, havia destacado, em relatório prévio, que a instalação do estaleiro implicaria na retirada de 15 hectares de manguezal na região — o que já ocorreu — causando problemas à hidrologia do local, incluindo a impermeabilização do solo.
Em parecer técnico o Ibama afirmou, ainda, que os Estudos de Impacto Ambiental do estaleiro e das obras do terminal portuário foram realizados com falhas, erros e baixa representatividade ou falta de dados que comprometeriam a determinação da viabilidade ou não do empreendimento. Apesar das irregularidades encontradas, o Ibama concedeu permissão para execução da obra.
“A maneira como se processou as tratativas iniciais para a instalação do estaleiro já deixava evidente que, em primeiro lugar, seriam levados em consideração os fins econômicos. O Meio Ambiente se mostrava como questão secundária e desimportante”, afirma o procurador Samir Nachef.
Foram acionadas não apenas as empresas que formam o, mas o próprio estaleiro. A União, o estado da Bahia, o ICMBio e o Ibama foram acionados por não cumprirem com seu dever legal de evitar danos ao meio ambiente.
Também entre os requerimentos consta: o de participação de todos os povos tradicionais e pescadores artesanais em todas as discussões sobre a forma de mitigação, reparação e compensação dos danos decorrentes da instalação do estaleiro; e o de declarar inconstitucional o art. 28 da Lei nº. 12.058/2009, que converteu em lei a medida provisória que alterou os limites da reserva extrativista.
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