sábado, 9 de outubro de 2021

Histórias de Infância: O Menino da Vila Zara V

Joselito dos Reis*
 O Menino da Vila Zara V                                                                                                  

O Menino da Vila Zara que gostava de fazer muitas estripulias, inclusive, transformado “cinto em cobra”, para enganar as pessoas, transeuntes da rua onde ele morava; “amarrava o cinto, que era de cor preta, pintado de branco a uma linha de náilon; quando as pessoas passavam, ele do outro lado da rua puxava a linha e o povo tomava um grande susto! Uma dessas pessoas, era uma senhora e estava grávida! Ela foi levada ao hospital às pressas... e pariu um garotão!  Neste dia o Menino da Vila Zara, não tomou uma surra de bainha de facão; dessa vez, foi de uma taca chamada “bacalhau!”. Um instrumento que servia para amansar burro bravo! Já que seu pai Deraldo, antes de vir para a cidade para colocar seus filhos, para estudar, era amansador de burro bravo! O Menino da Vila Zara, também gostava de fazer, naquela época, o famoso; “pau de bosta! Simulava uma briga, quando alguém mandava um dos dois soltar o pau, aí ele pedia para alguém segurar o mesmo. Surpresa, o curioso ficava com a mão tolada de “cocô”. Resultado eles davam no pé...!   Ele tinha facilidade de realizar essa façanha, porque ele era galego, puxando a cor do seu pai e o irmão moreno, puxou a cor da mãe.     Era um menino danado, e cheio de criatividade.  Irrequieto, não queria saber de casa, um só minuto! Mesmo quando não tinha os afazeres domésticos. Pois a sua mãe, dividia as tarefas de casa, entre ele, e os outro irmão.   Funções de lavar os pratos e enxuga-los, varrer a casa e até pregar botões, já que a sua mãe trabalha de correção, como costureira. Nesta época estava chegando a calça LEE, que se chamava “Americana”.  O que, o fazia ficar muito chateado. Ele não gostava; “não quero ser mariquinha! ”, pensava. O Menino da Vila Zara, o que gostava mesmo de fazer, era ajudar o seu Pai Deraldo, na Feira Livre, e na feira do bairro da Conceição, que ficava na cabeceira da ponte velha (Lacerda), aos domingos. Já a feira-livre, se localizava na Praça José Bastos, centro de Itabuna, onde hoje fica localizada a UNE/FTC, que já foi um dia, a Prefeitura Municipal, construída pelo então prefeito José Oduque Teixeira, que agora dia 18 de outubro de 2021, completa 99 anos de idade. Porque naquela época, anos 60, existia a “Maria Fumaça” e, ele gostava do ponga, ponga..., mesmo com o risco de o maquinista pegá-lo e puni-lo. 

Realidade de hoje, poluição

De passagem pela Padaria Santa Fé, onde trabalhou, com Seu Zequinha (Pio de Vicente Joião) , Salário e Amaral, assim como na Joelharia Cláudio, juntamente, com Gilson e Pedrinho Chocho, antes de ir para são Paulo, outra diversão do Menino da Vila Zara, era o de “fazer cozido” na Ilha do Mutucugê! Lá pelos lados do “o lavador de carro”, de “Mundinho! ”. Lavador que tinha como chefe “Zé Domingos”, seu amigo e, que era um tipo de administrador do local, ou chefe dos lavadores... Um homem, que gostava muito de pimenta malagueta no sarapatel e, também, não gostava de levar desaforo para casa, sempre arrumava uma briga e era bom de socos!

Resolvendo fazer mais um cozido, o Menino da Vila Zara, começou a convidar os amiguinhos e exigindo deles, o que levariam para o almoço da Ilha Mutucugê.  Geralmente o cozido, com cada uma levando os seus ingredientes, pegavam em suas casas escondidos dos pais. O certo é que, o evento, era uma grande formula de lazer, geralmente acontecia aos domingos.  De “Zé Pequeno” cobrou a jabá e linguiça! De “Nego Tinho”, farinha e tomate! De “Pé de Cabra” feijão! “Dato Babão” levava o carvão! E por fim “Almir Doido” levava verduras e os outros temperos.     O Menino da Vila Zara reunindo os demais ingredientes, partiam para a Ilha. Lá arrumavam o fogo improvisando, com gravetos e estrutura feita de pedras do rio... com panos velhos e papelão acendiam o fogo. Enquanto o Menino da Vila Zara, fazia o tempero da comida!  O local era bem aprazível, entre árvores e com a presença de alguns animais e muitos pássaros, inclusive, macucos e graúnas. Também muito araçá, goiaba e maracujá ferro...! As sombras das árvores davam um toque todo especial e conforto. Local muito aconchegante, com o murmurar das corredeiras das águas.  

A comida no fogo começa a cheirar... logo cozida, se tornava uma deliciosa feijoada. Feita a tempero doido..., levada ao molho de pimenta malagueta, que dava um aroma todo especial, o Menino da Vila Zara, se deliciava..., frisando que “a comida estava com gosto de quero mais! ”. Todos caíam na risada, ele não gostava, e mandava todo mundo ir tomar... banho, no rio! O rio na época tinha grandes corredeiras e uma água cristalina, transparente, onde se via os peixes, nadando sob o seu leito e as piabinhas, entre os tucunarés, que faziam um verdadeiro show. Depois do almoço o Menino da Vila Zara e seus colegas passavam a tarde, todinha, pescando, usando as mãos e de ferrão nas locas, pegavam pitus, curucas, sapateiros, acaris (cascudo) e calambaus. Fartos, naquela época! Época do carvão, de água no carote e do querosene, Itabuna caminhava em passos largos para o progresso de hoje, mesmo com a chegada da vassoura de bruxa, que exterminou, com a sua principal economia “O Cacau!”...

Com “Junça”, uma planta típica das margens do rio Cachoeira, era utilizada para fazer “as enfieiras”, que enchiam de peixes e crustáceos. O rio, era farto em peixe e, em abundância...  Ao contrário de hoje, com todas as suas espécies extintas! Na época o tilápia e o bagre africano. Dois predadores que acabam com todas as demais espécies, eram desconhecidos. Chegaram ao rio, entre os anos 80/90, respectivamente, originários dos países árabes e africanos. Com isso de lá para cá, as outras espécies foram destruídas.  

O menino da Vila Zara, que não gostava de peixe, só pescava para agradar a sua mãe, e por esporte, para quando chegasse, mais tarde em casa, em sua casa, não tomasse uma bronca ou uma surra de “bainha de facão! ”, do seu pai Deraldo ou de sua mãe Josefa, pois a sua mãe, gostava muito de Acari (cascudo) para fazer moqueca, levada ao alho e quentão. Ele, esperto, sabia agradá-la. Pois  d. Josefa fazia uma deliciosa moqueca, que também levava dendê e coco seco da Bahia, degustada com  pirão escaldado de farinha de mandioca,  levado a pimenta verdinha tirada na hora do quintal da sua casa.

A Ilha de Mutucugê, mesmo perdendo a sua beleza, e que fica localizada na saída para a Fazenda Progresso, as suas árvores e animais, não são mais como antigamente! Não tem mais árvores; não tem mais animais; peixes, cistáceos e água límpida e cristalina, onde se pescava também com fartura piabas e “maçambés”, um tipo de piaba menor que produzia aos milhares; imensos cardumes e que servia como um delicioso tira-gosto, para quem adora uma cervejinha! O que não era o caso do menino da Vila Zara, na época, com dez anos de idade.

 De lá para cá, o Rio Cachoeira deu lugar aos esgotos sanitários da cidade, com o seu progresso desorganizado e, sem nenhuma base ou projeto para a manutenção do seu habitat, como antes. O Rio Cachoeira que é o maior patrimônio natural da cidade e da região, pelos locais por onde corta... com isso, o lavador de carros, também deixou de existir. Local onde o menino da Vila Zara, também, nas horas vagas trabalhava, lavando carro no Mutucugê, para salvar o dinheiro da matinê, do cine Itabuna, Catalunha, Plaza, Marabá ou Oásis, mesmo quando chegando em casa, apanhava com “bainha de facão” porque o seu pai não queria, que ele lavasse carros! Pois, o lavador, à época tinha a fama de ser “tranca-rua” ou arruaceiros. O mesmo acontecia quando o menino da Vila Zara, ia jogar uma “pelada” ou um “baba”. Ou seja, correr atrás de uma bola! Ao contrário de hoje, quando os pais incentivam aos filhos pela prática do futebol.   

O menino da Vila Zara, muitos anos, em São Paulo, de retorno a esta cidade, após 50 anos, veio a passeio rever os amigos e parentes. Ele que se tornou um grande empresário, na capital da garoa, foi logo visitar a Ilha do Mutucugê, e perguntando pelos colegas que lavava carros, e pelo “curtume de Bizunga”, que se localizava abaixo, um pouco. Locais esses, onde viveu parte de sua infância e, que ele, gostava de fazer estripulias... colhendo jacas, goiabas, araçás, cajá e laranja, além da “remela de gato” uma plantinha que dava umas frutinhas do tamanho de um caroço de chumbo de espingarda, ingerida deixava todo mundo de “língua azul! ”... Era um barato!  Quando criança. Ao comtemplar o cenário, do Rio no Mutucugê, sem o lavador de carro, a Ilha e o Rio quase destruídos, exalando uma fedentina insuportável, ao lado do seu amigo “Mundinho” que ainda reside no mesmo local, a quase 70 anos, os seus olhos encheram-se de lágrimas, não acreditando no que via!... “”O Rio de aguas cristalinas e de muitos peixes, crustáceos e pássaros” transformado em um grande esgoto a céu aberto. “Meu Deus! ”. Lamentou o menino da Vila Zara.  

Algum caso parecido, são meras coincidências

 * Joselito dos Reis Santos

Poeta e jornalista

 

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