Bolsonaro não aceita recusa dos jogadores
Presidente se irrita com a possibilidade de a equipe principal e o técnico Tite se negarem a disputar a competição continental, cuja realização no Brasil vem sendo criticada. Apoiadores veem complô político para desgastar ainda mais o governo
O sinal de alerta soou no Planalto na última sexta-feira: em entrevista à Rede Globo, após o jogo contra o Equador, pelas eliminatórias da Copa de 2022, o capitão da seleção, o volante Casimiro, afirmou que haveria uma posição pública do elenco na próxima terça-feira, mas que o posicionamento “é claro”. Isso sinalizaria a contrariedade pela realização da Copa América no país.“Não sou eu, não são os jogadores da Europa. Quando fala alguém, falam todos os jogadores, com o Tite, com a comissão técnica. Tem que ser unânime, todos juntos”, disse.
Desde que anunciou a vinda do torneio para o país, apesar dos 472.531 mortos pela covid-19 — segundo os dados de ontem, levantados pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) —, Bolsonaro vem sendo duramente criticado. Mas manteve a decisão e a anunciou ao lado do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga.
Reações
A preocupação fica clara quando se observa a reação dos bolsonaristas nas redes sociais. “Fora Tite” ficou entre os assuntos mais comentados no Twitter. Também começaram a atrelar o técnico ao PT, colocando fotos do tempo em que treinou o Corinthians, ao lado de Luiz Inácio Lula da Silva — que é corintiano —, para construir a narrativa de que a possível decisão da Seleção seria política e para atingir
Bolsonaro.
Os parlamentares que apoiam o presidente não economizam teorias, críticas ao técnico, à Seleção e aos jogadores. O deputado federal Coronel Armando (PSL-SC), ex-vice-líder do governo, atacou os atletas afirmando que estão sendo manipulados por Tite e reforça a ideia de que se trata de um movimento político. Para os bolsonaristas, é incoerente não atuar na Copa América e manter o Campeonato Brasileiro, a Copa do Brasil e os jogos das Eliminatórias da Copa do Catar no país.
“É um desgaste que, daqui a pouco, passa. Mas esses caras vão ficar marcados”, diz Armando. Para o parlamentar, se não quiserem jogar, que se troque o técnico e se convoque outros jogadores.
Deputado da base de apoio ao Palácio do Planalto, Bibo Nunes (PSL-RS) classificou o movime nto de protesto dos jogadores como “antipatriotismo e irresponsabilidade”. “Deixa a imagem do Brasil muito ruim. Imagem de que não há unidade e que há desrespeito à CBF e à presidência da República. É uma jogada política: querem menosprezar o presidente”, afirmou.
Bibo carregou nas críticas ao técnico da Seleção. “Quem quer desgaste para o governo está vibrando com isso. Mas o Tite é o grande culpado. Eu não quero jogando pelo Brasil jogadores que não são patriotas. É uma vergonha. O Tite é um esquerdista, mas tem que saber respeitar”, acusou, defendendo que Renato Gaúcho, ex-treinador do Grêmio e que já manifestou simpatias a Bolsonaro, assuma a Seleção.
Fiel defensora do presidente, a deputada Carla Zambelli (PSL-SP) nega que haja desgaste. “Quem está com Bolsonaro está com ele, independentemente de qualquer coisa. Bolsonaro não sofre (com a decisão dos jogadores), quem sofre é o Brasil”, assegurou.
Incoerência
Segundo ela “os bolsonaristas estão reagindo a uma ação do Tite, das pessoas que são contra a Copa América, porque é incoerente (devido às outras competições futebolísticas realizadas no Brasil)”. E salientou: “É bom para a economia, para os brasileiros, para o otimismo. Aí, vem o pessoal e politiza isso, e diz que não pode fazer a Copa América aqui. Se isso não é politização, porque não cancelaram os outros campeonatos? A ação partiu deles de politizar, e a gente está reagindo”.
Cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) de São Paulo, Eduardo Grin afirmou que o presidente se desgasta com a situação. Lembrou que o movimento bolsonarista se apropriou do verde amarelo e da camisa da Seleção e, agora, se vê desafiado pelo time. “A ideia de trazer a Copa América, no imaginário bolsonarista, significaria reiterar esse discurso nacionalista, do monopólio da representação nacional. Dada à popularidade do futebol, o fato de a Seleção se negar a jogar tem uma enorme representatividade social e pode fortalecer os movimentos contrários a Bolsonaro”, observou. (Colaborou Vicente Nunes)
Dedaços do Planalto no time “canarinho”
A seleção brasileira tem, na sua história, pelo menos dois episódios de interferência que passaram pelo Palácio do Planalto. No time do tricampeonato de 1970, o presidente Emílio Médici queria de todo jeito que o atacante Dario fosse convocado — algo que só conseguiu depois que João Saldanha foi dispensado do cargo de técnico e Zagallo assumiu o comando da equipe. Já na seleção que foi à Copa da Argentina, em 1978, o capitão do Exército Cláudio Coutinho substituiu o gaúcho Osvaldo Brandão — e cunhou a frase de que o Brasil foi “campeão moral”, pois retornou invicto, mas com o 3º lugar.
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