"Não há democracia sem uma imprensa livre e forte"
Por: Lício Ferreira
Do - Tribuna da Bahia, Salvador - Nesta segunda-feira 17, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI) está completando 90 anos de fundação. Durante entrevista exclusiva, em seu gabinete, o presidente Walter Pinheiro disse que o objetivo principal da instituição, é a defesa da liberdade de imprensa “dentro da compreensão de que não há democracia sem uma imprensa livre e forte”. Acrescentou que a instituição surgiu “em defesa da maior das liberdades que nós temos, ou seja, a liberdade de expressão do pensamento; a liberdade de comunicação; a liberdade de imprensa. Esse, inclusive, é o primeiro item, que consta do nosso Estatuto”.
Revelou, ainda, que durante a ditadura militar – foram os piores anos da ABI -, que a imprensa baiana sofreu muito com a questão da censura, da tortura, e, também, a perda de uma série de direitos, sofrendo represálias e perseguições. “Nesses tempos modernos, o ‘garroteamento’ das empresas é o que mais nos preocupa”. Ainda segundo Walter Pinheiro há uma ‘judicialização de ações’, especialmente ‘por danos morais’ as que mais cresceram contra os profissionais ou veículos. Assim como cresceu a negação da publicidade. Esquecem os governantes, que eles estão desrespeitando o eleitor que os colocou no cargo”. O presidente da ABI, que está deixando o cargo agora em setembro, deixou claro qual é o papel da imprensa: “Ela existe para noticiar. Para denunciar. Para comentar e criticar. Tudo, no sentido de favorecer à comunidade. E assim como deve ter independência, deve também ter a responsabilidade nas suas publicações”.
TB - Como e quando surgiu a ideia de criação da ABI?
WP - A ideia de criação da ABI nasceu da necessidade de todos em estarem juntos para enfrentar as ações dos poderosos da época. Thales de Freitas percebeu isso ao se juntar aos demais companheiros. Agregou-se a Altamirando Requião, que foi o primeiro presidente da casa. Os outros presidentes que vieram a seguir foi Ranulpho Oliveira, Jorge Calmon, Afonso Maciel Neto e Samuel Celestino. Em 90 anos de história, a ABI teve seis presidentes, incluindo a mim. Os mandatos têm sido longevos. Ranulpho Oliveira, por exemplo, que construiu o prédio, presidiu a instituição por cerca de 40 anos.
TB – Qual a razão fundamental para o surgimento da ABI
WP - A razão básica da criação da ABI foi o processo de defesa, especialmente, a partir de 24 de outubro de 1930, com os interventores, na figura do tenente Juracy Magalhães. Prioritariamente, a instituição surgiu em defesa da maior das liberdades que nós temos: A liberdade de expressão do pensamento; a liberdade de comunicação; a liberdade de imprensa. Esse, inclusive, é o primeiro item, que consta do nosso Estatuto.
TB – É possível registrar um avanço da instituição?
WP - A ABI é uma entidade sem fins lucrativos e que tem como objetivo principal, a defesa da liberdade de imprensa, dentro da compreensão de que não há democracia sem uma imprensa livre e forte. Nos tempos modernos, a ABI avançou muito para a defesa dos direitos humanos; das questões ambientais; e de todos outros grandes temas da comunidade. Ao passar dos anos, ela foi se impondo perante à comunidade e ganhou os ares que, hoje, também tem a OAB, ou seja, a de uma entidade independente, com história para contar e que pode, perfeitamente, mediar conflitos; emitir opiniões; acompanhar a prática do bom jornalismo; e fortalecer com atividades, a comunicação como um todo.
TB – Qual foi o pior momento para a história da ABI?
WP - Nesses 90 anos, a ABI viveu o seu pior período efetivamente durante o governo militar de 1964 até os idos de 1985, seja em termos de repressão, da tortura e da censura. Foi um período que ficou muito marcado pelas intervenções nas redações; na submissão prévia de textos do teatro, do cinema e até das composições musicais. Todas eram censuradas previamente.
E, muitas delas, não foram viabilizadas, a não ser hoje, em que as coisas estão livres.
TB – Quais eram as exigências dos poderosos de plantão?
WP - A pressão do regime militar era muito forte. Em sendo forte, é claro que ela exigiu de instituições como a ABI uma participação muito mais presente e muito mais ativa. Quando a revolução chegou, em 1964, todos acreditavam – inclusive a imprensa – de que ela vinha pela família e pela liberdade. Mas, depois, ela terminou endurecendo. Fato que não poderia ser, com certeza.
TB – Na sua gestão de 9 anos qual foi o período mais tenso?
WP – Eu considero marcante o ano de 2013, diante das manifestações populares em todo o Brasil. Aqui na Bahia, após o primeiro jogo pela Copa das Confederações, inaugurando a nova Fonte Nova, o pessoal resolveu deixar o estádio e seguir em passeata rumo ao Iguatemi. Era um dia de sábado. E nesse momento, houve um confronto entre os órgãos de segurança do estado. Excessos aconteceram. A Polícia Militar tomou celulares das pessoas; prendeu profissionais de imprensa e alguns participantes. A ABI foi acionada. E, por sua vez, acionou a OAB, pois sempre trabalhamos de forma conjunta. Em seguida, acionamos o Ministério Público e, também, o governador da época, Jaques Wagner, que acionou o comandante da Polícia Militar para impedir que novos fatos acontecessem e verificar se algo tinha sido apreendido, além de pessoas e jornalistas. O fato terminou se extinguindo. Esse, realmente, foi um momento muito tenso na minha administração.
TB – Ficou apenas nesse episódio da capital. Ou outros vieram?
WP – Não. Afora esse, existiram outros fatos isolados, envolvendo jornalistas e fotógrafos. No interior do Estado também aconteceram fatos, envolvendo vereadores e prefeitos que invadiam estúdios de emissoras para protestar e impor os seus pontos-de-vista aos locutores e donos de rádio. Isso termina desaguando na ABI, que está sempre se manifestando pela defesa da liberdade de expressão.
TB – O cerceamento da imprensa é um fato novo?
WP – Claro que não. Essas posturas de alguns, em querer impor suas ideias à força, é uma coisa que existe e sempre existiu, desde o surgimento dos homens. E só deixará de existir quando nós alcançarmos um nível de politização e de civilidade mais elevado. Todos sabem que, dentro de cada um, existe um ‘ditador adormecido’. E, no momento em que esta pessoa assume um cargo e é contrariado, a reação imediata é querer – no caso da imprensa – em cercear a atividade da empresa. O fato é, que as pessoas não querem ser contrariadas. Tem alguns governantes que são verdadeiros democratas. Esses, em momentos assim, se contém muito mais.
TB – Será que os governantes ainda não sabem do nosso papel?
WP – Deveriam saber. A imprensa existe para noticiar. Para denunciar. Para comentar e criticar. Tudo, no sentido de favorecer à comunidade. Esse é o principal papel da imprensa. Enquanto o verdadeiro papel do democrata, é o de conviver com as críticas e dialogar. Eu sempre saliento que: Se Deus deu poder a nós de pensar e de se expressar, então, vamos usar o diálogo como principal instrumento nas relações humanas. A autoridade precisa saber que ela é passageira, onde está. A imprensa não. Ela está ai, o tempo todo. E na hora que surge algum problema, o momento é para se dialogar e esclarecer tudo.
TB – Qual o ideal que podemos atingir nessa relação?
WP - A obrigação da parte da imprensa é de que ela divulgue tudo. Divulgue o fato e permita a manifestação de defesa da parte que está sendo denunciada. Esse é o ideal. Mas, muitas vezes, pela dinâmica dos dias atuais, a imprensa tenta ouvir os acusados, mas a pessoa não fala e a matéria sai. Por que no dia seguinte ela perderia a sua atualidade. Depois de publicada, a pessoa vem dizendo que não foi procurada. Por isso, é que passou-se a fazer o registro: Fulano foi procurado, mas não quis se pronunciar. Nem ele e nem o seu advogado.
TB – Nos tempos de hoje o que surgiu que preocupa?
WP - Durante o tempo da ditadura militar e de governos mais rígidos, nós sofremos a questão da censura, da tortura e, também, a perda de uma série de direitos, com represálias e perseguições. Nesses tempos modernos, o que acontece muito, é o “garroteamento” das empresas. Descobriu-se que a sociedade está atenta aos procedimentos antigos, então, eles judicializam ações. São ações por danos morais. Elas cresceram contra os profissionais ou veículos, assim como cresceu a negação da publicidade. Pouco importa o público a qual esses veículos atendem. Esquecem os governantes que eles estão desrespeitando o eleitor que os colocou no cargo. Mas. esse procedimento não deve prosperar por muito tempo. Os institutos democráticos brasileiros mostram muita força e vão demonstrar para quem está procedendo dessa forma, que revejam a sua posição.
TB – Quais argumentos dos governantes para se protegerem?
WP - A primeira posição que a pessoa alega, em sua defesa, é de que está sendo maltratada e perseguida. E que essa perseguição se estende, por vezes, aos seus familiares e pessoas próximas. Mas acredito que ainda teremos um tempo em que vamos conviver como em outras nações mais democráticas. Talvez, a Inglaterra e a França. Mas nesta atual fase, que estamos citando, os Estados Unidos estão vivendo com Donald Trump. Os meios de comunicação de lá, por mais fortes que sejam, também sofrem. Haja vista, a CNN. Os governantes, que assim agem, deveriam se colocar em seu devido lugar e respeitar os representantes e profissionais da imprensa. Muitos deles, não tem nada a ver com a linha editorial de suas empresas, e desenvolvem apenas um trabalho profissional.
TB - Tem uma maneira de buscar equilíbrio entre as partes?
WP – Sim. Da mesma forma que a imprensa deve ter independência, ela deve ter também a responsabilidade nas suas publicações. Não é justo que a imprensa se sinta a ‘senhora’ mais importante de todas e passe a querer ser protagonista do processo. Isso é o que está acontecendo no Brasil, até chegar o ponto de querer derrubar o governante. O papel da imprensa é noticiar os fatos como eles são, sem precisar adjetivar. Isso é coisa de comentarista, que tem um lugar demarcado nos jornais e nas emissoras.
TB – Essa onda de Fake News realmente preocupa?
WP - Fake News é um nome pomposo e moderno da mentira, que sempre campeou o mundo dos cidadãos. Até no Evangelho existe a mentira. Quando surgiram os telefones, a mentira veio com os ‘trotes’ dirigidos aos bombeiros e as ambulâncias. A partir da Internet e das redes sociais, especialmente com a internet de profundidade, usada geralmente por traficantes, a mentira cresceu e alguns se valem disso para atingir as pessoas de maneira anônima. Fazer brincadeiras e gozações com os governantes é uma coisa normal. Mas, quando se trata de uma crítica pesada e mentirosa, que causa prejuízos a honra e a moral da pessoa, isso é caso de injúria e difamação. E precisa ser contida.
TB – Quais seriam os cuidados que deveríamos tomar?
WP - As Fake News estão distribuídas em redes sociais que tem um alcance brutal. Na hora em que ela é utilizada de forma criminosa e indevida, ela está – em um só tempo – contaminando uma grande massa de pessoas, como tem acontecido aqui no Brasil. Daí, o cuidado que se deve ter no repasse das mensagens que se recebe. A melhor maneira para ser conter as Fake News é não compartilhar tudo o que se recebe. E só fazer com a certeza do conteúdo da mensagem e do que ela representa. Nesse momento entra a questão de democracia que pode ser fragilizada, atingindo pessoas de uma maneira indevida.
TB - Como foi que surgiram os ‘grupos de ódio’ no Brasil?
WP- Eles nasceram dos interesses contrariados após as últimas eleições e sde agravaram a partir de 2013. As redes sociais tiveram uma participação imensa nesse crescimento. Vários grupos surgiram para colocar a opopulação nas ruas . Mas antes disso já vinha ocorrendo no processo do mensalão – que o público apenas assistiu – em seguida, o petróleo (denominado lava-jato) e depois no Impeachment de Dilma. Na eleição de 2014, o lado perdedor de Aécio Neves não se conformou com os resultados por uma diferença de 4 milhões de votos. Isso foi algo que mexeu com as emoções de muita gente e especialmente a questão de Lula. O grupo que perdeu a última eleição de 2018 tambem nunca que se conformou. Com esses condimentos desde 2013 o Brasil vive hoje um Fla x Flu. E você não tem direito nem de ser isento. É chamado de isentão. Como se fosse uma coisa feia você ter uma terceira alternativa de posicionamento.
TB – Quais as realizações da sua administração na ABI?
WP – Considero como realizações significativas a manutenção da harmonia entre as pessoas. Independente desse clima vigente no país, conseguimos blindar a ABI e os seus membros para uma convivência extremamente fraterna, muito amiga e respeitosa entre todos. Acho que contribui, levando um pouco do meu estilo. A ABI, sendo apartidária e sem fins lucrativos não tem atividade política. Ela tem que se mover no eixo; no centro das coisas para poder mediar conflitos. E quando emitir suas opiniões seja avaliada como uma instituição que está analisando a situação pelo aspecto mais puro das coisas. Podemos até errar, mas dentro desse prisma.
TB- Quais as outras contribuições oferecidas à ABI?
WP- Posso citar, ainda, a estabilidade financeira e patrimonial. Independente das crises econômicas, principalmente as últimas agravadas pela pandemia do Coronavirus, a ABI, hoje, é uma entidade independente com seus próprios recursos financeiros. Essa é mais uma conquista desses 9 anos da minha gestão. Outro fato importante a mencionar é a participação do Conselho Diretor que se deu de uma maneira muito boa e muito forte. As decisões tomadas foram sempre de maneira colegiada, coisa que valoriza naturalmente a gestão.
TB – Poderia revelar as realizações dirigidas à comunidade?
WP – Na minha gestão, a realização de debates foi bastante intensificada. Tivemos muitos seminários, reuniões envolvendo outros grupos da sociedade baiana para discussão de temas importantes tais como, o marco civil da internet - antes de ser aprovado -; as 10 medidas de combate à corrupção; as práticas do jornalismo; as relações entre justiça x imprensa; além de eventos culturais como o sarau do Luar, realizado no terraço da sede da ABI.