Apenas dez veículos de comunicação concentram 70% da verba de propaganda do governo federal, destinada a mais de 3 mil emissoras de TV, jornais, revistas, rádios, sites e blogs em todo o Brasil. Os dados divulgados pela Secretaria de Comunicação Social, vinculada à Presidência da República, foram alvos de críticas de setores progressistas da mídia brasileira.
Os números mostram que desde o início do governo Dilma Rousseff, mais de R$ 161 milhões foram repassados para empresas de comunicação. Deste total, R$ 111 milhões se concentraram em dez empresas, em especial TVs.
Em entrevista ao Portal Vermelho, o presidente do Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé e secretário nacional de Mídia do PCdoB, Altamiro Borges, explica que o critério adotado pelo governo para a distribuição das verbas de publicidade reforça o monopólio midiático no país.
“Ao invés de dar dinheiro para rádios e TVs comunitárias, veículos de trabalhadores, de bairros e de estudantes, esse recurso se desloca apenas para sete famílias que já concentram a mídia brasileira. Por outro lado, no caso da rádiodifusão, como não há qualquer legislação, você dá dinheiro para quem manipula a opinião pública”.
Os números revelam que a Globo Comunicação e Participações S.A. – responsável pela TV Globo e sites ligados à emissora – ficou com quase um terço da verba entre janeiro de 2011 e julho deste ano, R$ 52 milhões. A segunda colocada é a Record, com R$ 24 milhões. A ministra da Secom, Helena Chagas, disse que o critério usado para a distribuição é a audiência.
Altamiro considera o argumento apresentado pela Secom para a distribuição dos recursos distorcidos. “Até por critérios de mercado a grana é distribuída de forma errada. Do total desse valor, metade vai para a Rede Globo, o que é uma aberração porque ela não tem metade da audiência. São os bônus de publicidade – denunciados até no Supremo Tribunal Federal, no julgamento do “mensalão” – que são uma forma de manipulação de índices de publicidade e que acabam fazendo metade da grana ir para quem não tem metade da audiência. É um desrespeito até às outras emissoras, mas como elas têm um conluio, um pacto mafioso, não ‘chiam’ tanto”.
Também em entrevista ao Portal Vermelho, o jornalista Paulo Henrique Amorim, do blog Conversa Afiada, reafirma a contestação sobre a audiência de 50% da Rede Globo, aferida pelo Ibope. “Minha audiência é mediada pelo Google Analitcs, pelo Comscore. Quando vai pra Globo quem diz que a audiência é 50% é o Ibope. E se não for 50% da audiência? Essa é que á a minha dúvida. Quantos administradores públicos têm consciência de que podem estar torrando o dinheiro do povo numa indústria cuja confiabilidade é discutida?”.
A Empresa Folha da Manhã S.A., que edita a Folha, recebeu R$ 661 mil. A Infoglobo, que edita o jornal O Globo, R$ 927 mil. O jornal O Estado de S. Paulo, R$ 994 mil. O portal UOL, controlado pelo Grupo Folha, recebeu R$ 893 mil. Sobre a verba destinada aos veículos de pequeno porte, a secretaria diz que eles fazem parte de política de regionalização do governo.
O presidente do Barão de Itararé contesta o próprio critério mercadológico utilizado pelo governo federal para a distribuição dos valores destinados à mídia alternativa brasileira. Segundo ele, os governos militares ajudaram a construir a Globo e os governos atuais ajudam a sustentá-la. “Alguns ‘calunistas’ desses veículos adoram falar mal dos blogs – dizendo que eles recebem dinheiro. Mas se você vai na planilha eles recebem uma merreca. Se fosse pela audiência que têm o Paulo Henrique Amorim e o Luis Nassif – apenas citando dois – eles deveriam receber muito mais. O governo tem medo de dar dinheiro para esses blogs porque vai ser atacado pela mídia. O que chama a atenção é que esses ‘calunistas’ que falam tanto que esses blogs recebem dinheiro são alimentados pelo governo federal”.
Durante os três encontros de blogueiros realizados em 2010, 2011 e 2012 foram feitas duras críticas a nessa forma de distribuição de verbas, informa Altamiro. As discussões levantaram a necessidade de as verbas do governo, dinheiro público, serem usadas para estimular a diversidade e a pluralidade informativa e não para concentrar ainda mais nos meios de comunicação.
Paulo Henrique Amorim reforça o debate. “O que acho estranho e surpreendente, para não dizer chocante do ponto de vista político, é que o governo federal não tenha uma política de incentivar a chamada mídia alternativa. Os chamados blogueiros sujos e todos os mecanismos de romper essa enorme barreira, esse muro – imposto pelo o que eu chamo de PIG – que existe entre a população e a informação”.
O jornalista e blogueiro estende a discussão sobre a distribuição dos recursos de publicidade para a política pública cultural país. Não há uma política governamental clara e bem definida – uma Lei Dilma, para substituir a Lei Rouanet – de financiamento e estímulo à criação de conteúdo alternativo. Acho que o Ministério da Cultura deveria ser um Ministério de conteúdo alternativo à Globo – financiando, por exemplo, o teatro brasileiro de comédia. Então deveria ter um teatro brasileiro de comédia para levar as peças do Oduvaldo Viana Filho ou do Plínio Marcos. A dramaturgia brasileira hoje é ocupada ou por artistas da Globo ou por textos do Nelson Rodrigues”.
“Esses números que saíram hoje da publicidade oficial do governo federal são a ponta do iceberg. Quero botar na balança as verbas da Caixa Econômica, do Banco do Brasil, dos Correios, da Petrobras, da Eletrobras, e vamos ver como é que eles tratam a Globo. Essa é a minha dúvida”, completa.