Líder
religiosa, Dona Carmozina completa 100 anos em Ilhéus
Especial, por Zé Carlinhos - A umbandista Carmosina
Mota de Souza Santos, uma das lideranças religiosas da cidade de Ilhéus, residente
na Rua Severino Vieira, 475, bairro do Malhado, completa, no próximo domingo, 16, um século de vida. Ela chega aos 100
anos com muito vigor, voz possante e com uma memória invejável, relata fatos com riqueza de detalhes e conversa com muita clareza sobre
lugares que compõem a sua história de vida.
Na sua rotina diária,
levanta-se às cinco da manhã e, logo depois, toma um chazinho de ervas naturais
e ingere um comprimido para a pressão alta. Em seguida, lá para às 10 horas,
bebe um cafezinho com leite, sempre acompanhado de farofa de carne-seca com
banana da terra ou aipim. O charque é condição para comer o feijão todos os
dias, deixando claro que na sua alimentação, pimenta, pimentão e jiló não
entram.
A sua casa é perfumada
com incenso duas vezes ao dia e na sua sala estão expostos seus retratos em
festas culturais, com as vestes religiosas e também ao lado de diversos
políticos. Conta que ACM era “amigão” e que sempre ia recebê-lo no Aeroporto
quando vinha a Ilhéus. Há uma foto ao lado do babalorixá Pedro Farias, que foi
uma referência do candomblé em Ilhéus, e de outros companheiros de trabalho
espírita.
Entre as condecorações,
estão o título de Cidadã Ilheense, um certificado da Federação Nacional de Umbanda
e uma recente homenagem recebida na Delegacia da Mulher. Mãe Carmozina é daquelas que ainda vai às urnas para escolher os
governantes e, diga-se de passagem, está sempre a atrair políticos em seu
entorno, talvez por conta de sua força religiosa e do grande número de
seguidores. E com simpatia diz: “Eu voto de ousada”.
Seja numa comemoração
cívica, como o desfile de 7 de Setembro, ou numa festa popular, como o
Carnaval, o seu lugar é sempre no palanque oficial das autoridades. E com suas
baianas vestidas de branco e portando vasos de flores e água de cheiro,
participa, há 32 anos, da lavagem da Catedral de São Sebastião e há 15 anos
comanda os festejos de Iemanjá na cidade.
Origem
- A filha dos índios Alvina da Mota Santos e Cândido José de Souza, nasceu no
povoado de Caldeirão, atual município de Itaquara, e foi criada pela família de
Joaquim Gavião, em Jaguaquara. Aos 13 anos, foi entregue de volta à Dona Alvina.
Carmozina
e sua mãe vieram a pé de Jequié para Água Preta (então distrito de Ilhéus e
hoje Uruçuca) numa viagem que durou 22 dias. Ela reflete: “Minha
mãe nunca entrou (subiu) numa embarcação (referindo-se aos meios de transporte,
inclusive animais). Nessa viagem, quando dava quatro, cinco horas, ela encostava
em qualquer lugar que tinha família e passava a noite, e no outro dia de manhã
me botava na frente para andar. Naquele tempo, não existia o asfalto, o que
existia era barro”. No percurso, a novidade que viu foram tachos enormes no
fogo, com homens mexendo pedras pretas e derramando um caldo preto sobre a
estrada de barro, que entendeu mais tarde ser o asfalto. “Minha mãe, índia, não
suportava aquilo, achava tudo ignorância”,
acrescenta.
Em Água Preta, na casa
de sua irmã, chegou a trabalhar em roça de cacau para se manter. “Eu não
conhecia cacau, eu conhecia café”, sentencia. Casou-se aos 17 anos com Anibal Evangelista
Santos, que trabalhava na “Estrada de Ferro”, e foi morar na Rua do Soca Braço
(atual Rua Evandro Magalhães), onde nasceram os filhos Crispim, que é
funcionário da Polícia Civil, e Maria José, falecida há oito anos.
Ao chegar para Ilhéus,
na década de 50, o casal se estabeleceu no Malhado de baixo, e em seguida,
mudou-se para o Malhado de cima. “Morávamos
no Alto do Amparo, nome que coloquei e permanece até hoje. Fui a primeira moradora de lá, fiz a
primeira casa do local, em terreno doado pelo prefeito Pedro Catalão, uma casa
de palha, rodeada de zinco, onde criei meus filhos. Lá nasceram José Carlos e
Maria Conceição”, afirma.
Conta com entusiasmo
que foi lavadeira de ganho. Lavou roupas
para diversas famílias influentes da cidade, do Dr. Ernani Sá, Coronel
Sinhô, Conceição Lopes, Alice Patury, Sá Barreto e de Tonico Bastos. Ela
explica que lavava e gomava, e o ferro de passar era à brasa, acionado por um
fole. “Fazia goma com parafina para
botar nas camisas para ficar bem brilhando. As calças tinham que ser enfestadas
(vincadas na frente). Quem não tivesse um terno de linho, não era gente”,
lembra.
Também
foi feirante. Atuou com barraca na feira do Unhão,
hoje Avenida 2 de Julho, onde vendia café e mingau. Não só na feira do Unhão,
como também no tamarindeiro do Malhado. “Fui a primeira a se instalar ali, para esperar o trem de ferro passar e vender aos
passageiros doses de cachaça, com folhas de capim santo, erva-cidreira e
temperada de mulher parida, mingau e mungunzá”. O único transporte que tinha,
do Malhado ao Centro, caindo aos pedações, era o ônibus de Zé Ribeiro. “Lembro-me
da rodoviária daqui, na Rua do Dendê, na Rua Tiradentes. Lembro da Sulba e da
São Jorge. A Sulba quebrava não sei quantas vezes daqui para Itabuna.
E
acrescenta que “a cadeia de Ilhéus ficava em frente à
Ceplac, ali quem vai para o Pontal, onde ficavam os melhorzinhos. Quando a
gente passava, os presos estavam sempre olhando a rua, lá do alto das grades, e
desciam as latinhas amarradas num cordão pra gente colocar dinheiro, uma
banana, um pão. E os bravos ficavam
em Itacaré, com a cadeia na beira d´água.”.
Outra máxima que eu
alcancei: “Naquela época, “mulher solteira” não saia na rua, só saía depois de
10 horas (22horas), tinha horário para sair, somente depois que as casadas e as
moças se recolhiam, então, a rua ficava pública. Hoje em dia ninguém sabe quem
é mulher-dama, quem é moça, ninguém sabe o que é casada, está tudo uma farofa
só.”
A
Religião - Mãe
Carmozina explica que começou a trabalhar com a força espiritual depois
de muito sofrimento, “porque eu carrego a força espírita desde menina. Para não
sofrer, abandonei o catolicismo e entrei na lei cristã. Sofri muito!. Já fui muda, paralítica, asmática e já me
levaram amarrada em cima de um caminhão para Nazaré das Farinhas. Tudo isso eu
já passei até aceitar o espiritismo.”
Relata que na Avenida
Itabuna, na igreja Assembleia de Deus, uma vez ficou perturbada e quando se deu
conta, estava uma bagaceira. “Já fui
operada invisível de um tumor na barriga, com todos preocupados na mesa de
operação. Aí veio um médico espírita de Salvador, olhou para mim e disse aos
outros médicos: “não opere essa mulher que ela morre na sua mão. Essa mulher é
espírita”. Eu saí me maldizendo: se fosse rica todo mundo me operava. Depois, quando voltei para casa, não senti
mais nada.”, enfatiza. E justifica que, por isso, fez caridade durante sete
anos, oferecendo consulta sem cobrar um centavo. Depois de sete anos, foi
liberada pelo seu guia espiritual para cobrar valores pequenos porque sua
missão é fazer caridade.
A umbandista conta que
soube, através dos filhos de santo, que seu guia chamou o seu marido e o
advertiu para que ele não mais encostasse em sua cama. Para continuar com a
força espiritual, ela renunciou ao sexo e permitiu que o esposo tivesse uma relação
extraconjugal, que resultou em cinco filhos. “Tudo para ter o direito de
trabalhar com resultados e evitar sofrimento”, explica.
Hoje, Carmozina possui 48 netos, 56 bisnetos e 20
tataranetos, incluindo os filhos do marido também por ela criados, além de uma
quantidade grande de filhos de santo, espalhados em outras cidades da Bahia
e outros estados, e até na Suíça e Estados Unidos.
Com respeito à crença,
ela diz: “não uso pintura, não pinto
unha, não corto o cabelo. Não aguentei mais sofrer, entreguei a mão à
palmatória. Tinha que cumprir essa missão”. O seu terreiro de umbanda Sultão
das Matas está localizado ao lado da residência, mas há uma comunicação ao
fundo, e no Peji, há imagens em louça, resina e gesso, de orixás, de santos da
Igreja Católica e de caboclos. Os atabaques tocam de 15 em 15 dias e toda
sexta-feira há sessão mediúnica.
Sincretismo
- Embora
umbandista, a relação com outros cultores de terreiros de candomblé é a melhor
possível. “Valtinho, Toinha,
Nildinha, Ilza, Jecy, Nangancy, Laura somos todos amigos, agora a divisão das
obrigações, cada qual no seu cada qual”, lembra.
A sacerdotisa umbandista
frequenta a igreja católica do bairro onde reside, fala em Deus o tempo todo e
vai sempre à missa da Misericórdia, no centro da cidade. Com orgulho, diz que Dom Mauro, bispo da Diocese de Ilhéus, é seu amigo
e que já esteve na sua residência. Faz
distinção também ao Padre Miro, que a visita sempre e é quem celebra a missa do
seu aniversário. O Padre João é outro carinhosamente citado entre as
autoridades do clero.
Além do terreiro de
umbanda, a família Carmozina possui um terreiro de candomblé, dirigido por sua
filha, Conceição, localizado na Avenida Esperança, em terreno doado pelo prefeito
Antonio Olímpio. Além do ex-prefeito Antonio Olímpio, Carmozina cita em suas
conversas o ex-prefeito Ariston Cardoso, a senadora Lídice da Mata, e disse que
falou tanto com Jabes Ribeiro para que ele fechasse o canal em frente à Central
de Abastecimento, sem êxito, mas que já conversou sobre o assunto com o
prefeito atual Marão, a quem chama de Barão. E finalizou dizendo “Não posso
deixar de fazer uma caridade, bateu a minha porta eu dou comida ou conforto
espiritual.”.
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