segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A paranoia contra a imprensa

por Ethevaldo Siqueira - Estadão


Em companhia de uma dúzia de experientes jornalistas brasileiros, participei há poucas semanas do mesmo júri que tem julgado ao longo dos últimos 12 anos as reportagens e outros trabalhos do jornalismo impresso, do rádio e da televisão, que concorrem a cada edição do Prêmio Embratel de Jornalismo – atualmente a mais prestigiosa e independente láurea da imprensa brasileira.


Gostaria que um ministro como Franklin Martins, da Secretaria de Comunicação Social (Secom), pudesse participar conosco desse trabalho. É como se mergulhássemos durante alguns dias no que a mídia brasileira produziu de melhor nos últimos 12 meses.


Tenho certeza de que o ministro não seria tão arrogante no julgamento dessa imprensa – especialmente quando diz que a “imprensa brasileira é totalmente livre, o que não quer dizer que seja uma boa imprensa.” Martins reivindica o direito de criticar a mídia. Ninguém jamais lhe negaria esse direito.


O que nos preocupa não é a crítica nem mesmo uma regulação democrática, mas as ameaças e os riscos indisfarçáveis do chamado “controle social” da mídia, mero eufemismo para novas formas de censura.


Gostaria ainda que Franklin Martins e seus seguidores – especialmente aqueles pobres de espírito que lançam sobre toda a mídia brasileira o apodo estúpido de PIG (Partido da Imprensa Golpista) – lessem o comentário que o jornalista Geneton Moraes Neto, um dos vencedores este ano do 12º Prêmio Embratel de Jornalismo, postou em seu blog, no dia 11-11-2010. O depoimento simples, espontâneo e comovente de Geneton tem o título de Pausa para um refresco. Ou: pequena carta aos que gastam sola de sapato fazendo Jornalismo.

Eis o texto de Geneton

Uma das máximas das redações diz que “jornalista não é notícia”. Mas, uma vez por ano, quando são anunciados os vencedores de prêmios jornalísticos, jornalistas mudam de lado por breves instantes: viram “notícia”. O locutor-que-vos-fala teve a honra de ser premiado, nesta quarta-feira, com o Prêmio Embratel de Jornalismo (na categoria TV), pelas entrevistas com os generais Newton Cruz e Leônidas Pires Gonçalves sobre os bastidores do regime militar.


Sou dos que acreditam que jornalista pode ser, também, uma espécie de arqueólogo – que revira o passado em busca de novidades. A contradição é apenas aparente: o passado pode nos surpreender com novidades, sim. Por que não?


Um detalhe me chamou atenção e me deixou feliz ao inspecionar a lista de finalistas do Prêmio Embratel: o júri selecionou para a grande final, em várias categorias, uma série de reportagens que mergulhavam no passado em busca de luzes. Lá estavam reportagens sobre A guerrilha do Araguaia (O Estado de S. Paulo), uma série sobre ”Como a censura calou a música brasileira” (Correio Brasiliense), os arquivos do ex-governador Miguel Arraes (Diário de Pernambuco), “Os espiões que viveram nas sombras dos anos de chumbo” (Zero Hora).


Fiquei feliz ao ver, premiadas, reportagens que envolveram obviamente um grande esforço de investigação, como os “diários secretos” – uma equipe da Gazeta do Povo e da RPCTV denunciou um caminhão de irregularidades na Assembleia Legislativa do Paraná (os repórteres: James Alberti, Kátia Brembatti, Karlos Kohlbach, Gabriel Tabatcheik).


Ou a denúncia do jornal O Estado de S. Paulo sobre os atos secretos baixados pelo Senado Federal – esta, a grande vencedora da noite. Os autores: Rosa Costa, Leandro Colon, Rodrigo Rangel. Ou a reportagem que provocou o cancelamento da prova do Enem (autores: Renata Cafardo e Sérgio Pompeu).


Quando vi autores de reportagens deste calibre vibrando como se fossem iniciantes, pensei, aqui, com meus velhos botões: minha tribo é esta. Sou insuspeito para falar porque tenho, obviamente, meus momentos de desilusão com o jornalismo (e de abatimento profissional).


Sempre me lembro de uma história que meu guru Joel Silveira, tido como o maior repórter brasileiro, gostava de contar. Uma vez, estava datilografando furiosamente um texto numa máquina de escrever, na redação. De repente, Nélson Rodrigues estacionou diante de Joel e ficou contemplando a cena em silêncio durante um bom tempo: lá estava um jornalista escrevendo um mero texto de jornal como se fosse mudar o destino da humanidade.


Nélson Rodrigues limitou-se a suspirar uma palavra, antes de seguir adiante: “Patético!”. Joel – com quem tive o privilégio de conviver durante vinte anos que valeram por cinquenta de aprendizado – ria ao descrever esta cena. Poderia até concordar com o que Nélson Rodrigues dizia – em última instância, somos todos “patéticos” -, mas continuava a teclar devotadamente um texto que estaria esquecido vinte e quatro horas depois. O que importava, ali, não era a transitoriedade do Jornalismo. Era a devoção – um traço que, aliás, diferencia um jornalista burocrático de um jornalista “de verdade”.


Sou um dos piores oradores que já tiveram a ventura de transitar pelo Cone Sul da América. Ainda assim, arrisquei-me a dizer umas palavras ao receber o Prêmio Embratel de telejornalismo. Como sempre acontece quando me vejo diante de qualquer plateia, terminei me esquecendo de metade do que gostaria de dizer.


Agora, mando às favas todos os escrúpulos da auto-referência. Sou um quase dinossauro. Tenho 54 anos. Comecei a trabalhar em redação aos dezesseis. Posso dizer que aprendi duas ou três coisas. Em homenagem aos colegas que suam a camisa, gastam sola de sapato na rua, atazanam os poderosos, levantam escândalos e, por fim, vibram quando são reconhecidos, publico o que tentei dizer mas não disse totalmente na hora da premiação.


Era algo assim: Toda atividade – seja qual for – precisa de um lema, uma bandeira, um slogan. O meu poderia ser qualquer outro, mas é: “Fazer jornalismo é produzir memória”. O jornalismo pode ser útil, então. Pode jogar luzes sobre o passado. Por que não? É preciso ter convicção. Pois bem: posso estar errado, mas acredito que fazer jornalismo é olhar o mundo, os fatos, os personagens e as histórias com os olhos de uma criança que estivesse vendo tudo pela primeira vez.


Somente assim, o Jornalismo será vívido, interessante, inquieto – não este monstro burocrático, chato e cinzento que nos assusta tanto. Fazer Jornalismo é saber que existirá sempre uma maneira atraente de contar o que se viu e ouviu. Fazer Jornalismo é ter a certeza de que não existe assunto esgotado.


Há fatos a explicar sobre 1964, por exemplo; tudo pode ser revirado: a crucificação de Jesus Cristo merece ser investigada. Por que não? Jornalista não pode se deixar vencer pelo tédio destruidor – nunca. Se um estreante perguntasse, eu diria: deixe o tédio em casa. Traga a vida das ruas pra redação. Porque, em noventa e oito por cento dos casos, o que a gente vê na vida real é mais colorido e mais arrebatador do que o que se publica nos jornais ou o que se vê na TV.


Diria também: não faça jornalismo para jornalista. Faça para o público! Fazer jornalismo é não praticar nunca, jamais, sob hipótese alguma, a patrulhagem ideológica. Ponto. Um general – seja quem for – deve ser ouvido com tanta atenção quanto o mais renitente dos guerrilheiros.


Lugar de votar é na urna. Não é na redação; (eu disse ao general Newton Cruz: não quero parecer bom moço, jornalista vive procurando escândalo e declarações bombásticas, mas, como personagem jornalístico, o senhor me interessa tanto quanto Luís Carlos Prestes, a quem, aliás, entrevistei algumas vezes).


Por fim: fazer jornalismo é desconfiar, sempre, sempre e sempre. A lição de um editor inglês vale para todos: toda vez que estiver ouvindo um personagem – seja ele um delegado de polícia, um praticante de ioga ou um astro da música – pergunte sempre a si mesmo, intimamente: “por que será que estes bastardos estão mentindo para mim?”

Não existe pergunta melhor.

Do blog Lucio Neto

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